quinta-feira, 30 de junho de 2011

vivo
por uma fração de tempo indecifrável
em calçadas
ruas
casas

vivo
para sorver a poesia cotidiana
nos fios de luz
na chuva fina
na tempestade

vivo
para seguir o caminho escolhido
tão louco
duro
enfermo

vivo
como o sol ao meio-dia
no brilho da luz,
na sombra que se projeta,
nas ilusões que teimam em surgir

vivo
como consequência inevitável do existir.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Essas tuas verdades
vão acabar criando deuses
caindo de escadas
saltando da vida
pulando sacadas

Essas tuas verdades
vão acabar acordando demônios
tropeçando nas cores
pisoteando a grama
represando as dores

Essas tuas verdades
vão acabar despertando luxúrias
causando pudores
mordendo a carne
retesando amores

Essas tuas verdades
nem parecem mentiras.
Agora, preciso organizar a vidinha
tenho que esquecer e me submeter
perdoar e tentar ser razoável
não ver e nem alarmar... sobreviver

Ah, como é triste esse agora
como sofre a poesia e a vida
na antagonia deste tal mundo real

Mas lustrarei minha carcaça
e gravarei meus dentes na história
com meus versos mais insanos
e sem graça.
O amor só abandona
aqueles que o esqueceram sob o espelho
enquanto escovavam os dentes.
Dou vivas aos que voaram
e no auge do seu vôo
souberam despir os medos
e comungar com a vida.

Hoje, quantos mais fariam isso...

se todos se deixaram prender
a triste árvore do pensar alheio,
se fizeram seus corações operários
com hora certa para bater
e nortearam seu sonhos
dentro dos limites do permitido

Quantos mais, pergunto...
se todos querem calcular a queda
mensurar distâncias, encurtar o caminho...

- Ah, ninguém mais voa assim...!

E que ninguém o tente fazer impunemente
pois levara cravada em sua alma
a angústia asfixiante que expressa
a face dos que tentaram voar.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sabemos da eternidade
conferida à alma humana
e insistimos no malogro
amiúde do mundano
como se não passássemos deste agora
tão carente de sentido.
Às vezes, confundo-me com esses trens antigos,
vagando lentamente por entre colinas,
sobre um caminho de ferro inevitável.

Uma locomotiva transbordando inconformidade,
arrastando vagões de infinitas janelas,
encarcerada em perene contemplação.

E como se não fosse a água
que gera o caminho do rio,
sigo trem a caminho do mar.

domingo, 19 de junho de 2011

Minha cara
tem cara de digital no papel
sinuosa, assimétrica, confusa
aos olhares atentos
que vagueiam labirintos vãos.

Tem cara de inferno no céu
tranqüila, medonha, difusa
aos olhares sedentos
de toques escassos, sem mãos.

Minha cara Senhores
não tem cara de nada
e isso é tudo.
Sou o breu que oculta muitas faces
a tormenta evidente por trás de olhos calmos
a avidez tardia dos falsos amantes
e a boa vontade alheia

o anseio desprovido de clareza
a insuficiência de paz
a louca nave útil
e a conquista vã, que poucos realizam

o meio para fins inócuos
a brincadeira que inventaram
a salvação dos despropósitos
e a risada depois da dor

o habitante do vácuo, no peito
a memória dos dias de luz
o esquecimento, que por certo, inexiste
e a desilusão exata de quem parte.
eu
com meus livros velhos
minhas pilhas de discos
meus panos
meus planos
meus danos
meu instinto aguçado
meus prazeres
meus cigarros
minhas viagens
meu pranto
meu bolso furado
meu jeito de louco
e tudo mais que desejarem...

descubro não passar de nada
um mero e indivisível nada
e nada me faria mais feliz
O que somos agora se não esse nos amontoarmos
uns sobre os outros nessas edificações que partem rumo ao céu
e parecem realmente atravessar o nada

se não esse nos arrastar pateticamente por entre convivas
roncos de animais metalizados, gases nocivos e luzes frenéticas

se não esse nos abismarmos cotidiano e religioso
em face de um novo sol que nos ameaça com a escuridão

e o que seremos num outro agora
se não a ressaca desse torpor que nos habita?
Reconheço
o pulsar de todas as coisas
que teimam em viver
no que há de morto
nessa estação

No que se estende portas
paredes, ferros decrépitos
e olhares perdidos

O pulsar de sonhos perenes
de partidas e chegadas
que o tempo não apagou

Mas que esquecido jaz
em algum canto do caminho
Do sangue jorravam vícios
fragmentos de antepassados
agonias e humilhações ancestrais
escorriam calçada à fora
o sangue vermelho e sujo
de um deus desconhecido
carregado de uma vasta gama
de emoções e histórias sem fim
esvaia-se com tamanha liberdade
que coloria o crepúsculo aos convivas
todos os sonhos – realizáveis ou não
todas as horas de sobrevivência
todo chão e toda comida
toda urgência de uma vida
jorravam agonizantes ao espaço
e a energia da carcaça inerte
lançou-se sobre os tempos
errante e bela em sua magia infinita.

- Alguém me perguntou algo
preferi não responder.
E mesmo que a vida
nos transforme em ínfimo instante
de recordações fugazes
toque de olhos nalguma rua...
és saudação de um desejo inefável
cárcere de livre arbítrio
história do tempo
feito ventre parindo
a vida agindo
e nós feito árvores
que cedem ao vento
dançam, brincam e se refastelam
sabendo da calmaria do por vir.
O vento varre as ruas tristemente
como quem chora a perda de um amor
antes mesmo da perda virar semente
o vento enche as ruas com seu temor
e se ufana de amar alegremente
as folhas que mata sem pudor.
Sempre que meu coração se afeta
não é a coisa certa
é uma sombra
uma idéia inverossímil
de certo, o cume
de algum pico inatingível
e se engasga,
se afoga,
se deleita
na avidez extrema
da indulgência alheia

“e livre seja esse infortúnio”.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

E se dançássemos na madrugada
ao ritmo cardíaco das ondas
e escrevêssemos na areia azulada
o que jaz acima do sonho e do medo
mesmo que a maré apagasse
as estrelas guardariam segredo
do sangue inquieto, do vinho, do vento...

E o branco da lua sobre teu corpo
sacramentando o infinito
em forma de desejo.
Às vezes, eu me sinto uma sombra
o fantasma de algum boêmio
que vaga em ruas desertas
a procurar, procurar, procurar...

O fantasma de casarões antigos
de algum velho hospital de guerra
talvez um fantasma masoquista
a se preocupar, preocupar, preocupar...

Às vezes, eu me sinto um vulto
alguém que não busca prêmios
uma voz subterrânea, um idiota
a criação, da criação, da criação...

Um louco, às margens da razão
alguém que enxerga os próprios erros
uma ponte entre idéias incertas
que trafegam, trafegam, trafegam...

para o irmão eduardo mattos - o caboclo
Não queira voar
isso é para os pássaros...

Que bobagem!!

O homem só voa quando ama
e o fato é que o homem não sabe amar.

Desiste. É inútil!!

Apenas os sonhos são reais
o resto é ilusão fútil
meras cenas teatrais.
Não importa
o que verte do medo

Não importa
o que inerte tremula

Nos versos mais insensatos
a gula
é a causa dos espantos!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O olho
por trás da lente
era azul, era verde
era multicolor

a lente
por trás do olho
era sonho, era vida
era multisabor

o gosto
depois dos olhos
era pouco, era muito
era multiolhar

os olhos
depois do gosto
na foto, na tela
eram multisonhar

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O meu poema de versinhos tortos
cuspiu na cara das autoridades vigentes
fugiu da rima e se perdeu na esquina
em longos versos pela madrugada

o meu poema de inspiração já morta
cravou seus dentes no papel da história
e fez-se de louco ao sair voando
num fim de tarde, no tempo propício

o meu poema de inspiração tão torta
mau educado, inquieto, disperso no vento
cruzou teus olhos na entrada sonho
e quis fazer muito mais que cabia no momento

o meu poema de razão esparsa
em alquimias que eu mesmo invento
exposto em tintas, como se fosse arte
seguiu seu rumo sem nenhum tormento
Por essa mania
de ser forte e ter coragem
tenho pago tantos preços
habitado endereços
sem coragem de partir

tenho estado
em estados auterados
tenho visto os estragos
que os enganos teimam em cometer

e por ter guardado tudo isso insatisfeito
tenho dito e tenho feito
muito mais que o esperado

por essa mania
de ser poeta e ver "bobagens"
tenho pago tantas vidas
tantas vindas, tantas idas
sem coragem de partir
A saudade
é uma dama louca
vestida de cinza
a ensaiar coreografias
no exato momento
em que tudo parou
e apenas teus olhos
me sorriram no escuro.
Estou farto de arrastar
passos inócuos pelas ruas
feito vento em folhas de jornais
em sonhos de verdades nuas
e inefáveis canções atonais.

estou farto e é pouco
o roto trapo que me cerca
acalenta e desmantela
o éter das ausências infames
e as cores que não foram pintadas.

sigo em busca de calar meus passos
gravitar sobre o tempo
jogar meu corpo no vazio
e a alma demente, livre
em paz, no seu devido espaço.
Coitado do poste de luz
inerte, resiste a tudo
sobre tudo as tempestades
silencioso, passa os dias a esperar
a mansa chegada da noite
onde, paciente, põe-se a iluminar
a vida de algum inseto.

coitado do poste de luz!
Ermo, vago, enfadonho
meu verso não teve escolha
os restos do amor que sonhei
o tempo que os recolha

Nas horas vãs
nos dias cinzentos
quiçá, nas mentes sãs
surjam novos inventos

Que curem ausências
vácuos no peito doente
talvez, as novas ciências
matem a dor da gente

Porque sem escolha
sem o amor que supunha
meu verso é folha
ermo, vago, enfadonho.
Ficaram todos
num relance de tempo
que não ousei sondar
sorvendo seus sonhos
no vácuo das horas
no estreito caminho
do existir

ficaram tantos
e eram tão poucos
que quase nem lembro
a finitude dos dias
que passei a esquecer

feito vento ausente
no movimento das cinzas
no oco dos sentimentos
desfeitos por meus passos
que trafegam submersos
nessa ausência que inventei.